Os últimos dias vividos em nosso país não deixam alternativas, a não ser comentarmos a respeito de algum desses desastres. Seis anos se passaram da tragédia da Kiss. Já seria motivo suficiente para estarmos cabisbaixos. Foram muitas vidas perdidas e famílias destroçadas. Uma cidade tatuada pela atrocidade. Não há como apagar essa marca. Reviver esse dia horroroso nos embrulha o estômago.
O desastre da Vale nos dá novamente a sensação de impotência diante de mortes em um episódio evitável. O rompimento da barragem de rejeitos de mineração controlada pela Samarco Mineração S.A., em 2015, deveria ter sido suficiente para alertar sobre essas ameaças. A Agência Nacional de Águas alerta que mais de 200 barragens em Minas Gerais são classificadas como de alto risco. Esses fatos revelam claramente que valores financeiros se sobrepõe aos humanos. Além das vidas perdidas, o meio ambiente sequer consegue medir as consequências dessas enxurradas de lama. No entanto, quase como um alento, no furacão dessa catástrofe, conseguimos visualizar o trabalho incansável dos bombeiros e profissionais do serviço público de saúde, o nosso SUS, bem como do Ibama, em tentar amenizar a perda dos animais da região.
Sabemos que, rotineiramente, esgotos são jogados nas praias e rios. Ás águas mancham e os peixes somem. Nossas matas estão sendo, cada vez mais, devastadas. O que vai sobrar do Brasil?
Igualmente absurdo, o deputado Jean Wyllys renuncia seu mandato e se retira do país, na tentativa de preservar a sua vida. O relato de frequentes ameaças que vinha sofrendo é divulgado pela mídia e pelas redes sociais. Quando achamos que alguma coisa se salva, pipocam deboches pela sua atitude, como se fosse "mi-mi-mi". Reflitam: foi no Brasil que assassinaram a tiros, nas ruas do Rio de Janeiro, recentemente, uma vereadora. Não foi um filme de terror. Realmente aconteceu essa covardia com a Marielle. É inadmissível que condutas como essa aconteçam, independente das ideias desses políticos. É de refletirmos, também, que eles foram eleitos, em sua maioria, pela população feminina, negra e LGBTQI+, "casualmente" as que vivenciam mais situações de violência e desigualdade nesse país. O desastre só aumenta quando, em todos os casos acima, os principais culpados continuam impunes.
Enfrentamos, diariamente, a infelicidade humana da falta de empatia e solidariedade, o desrespeito com as diferenças e a impenitência diante dos acontecidos. Nem rezando nos salvaremos se não mudarmos imediatamente nossos posicionamentos. Esse desamor que faz proliferar comentários e comportamentos mesquinhos e preconceituosos aniquila nossa alma, cotidianamente.
Quase como um dispositivo para revigorar nossas energias, no dia da visibilidade trans (29 de janeiro), a Associação Brasileira de Saúde Coletiva _ Abrasco, aprova seu mais novo Grupo Temático para debates sobre a saúde da população LGBTQI+. Tenho muita honra em fazer parte desse time, juntamente com grandes pesquisadores de outras universidades. Sabemos que o nosso país é o que mais mata transexuais e travestis em todo o mundo. Só em 2018 foram 163 assassinatos. O Brasil segue sendo, por vários anos consecutivos, o país que mais registra homicídios de pessoas LGBTI+ no planeta. Há ainda muitos desafios que envolvem a população LGBTI+ e o SUS. A violação de direitos e a LGBTIfobia persistem no cotidiano desse grupo. Merece ser aprofundado e ampliado o acesso e o atendimento integral à saúde. As políticas de equidade, dentre elas a que trata da promoção da Saúde Integral LGBT, precisa ser implementada e fortalecida. Outros desafios ligados a preconceitos persistem, tais como a restrição de doação de sangue por homossexuais no período de 12 meses contados da última relação sexual, mesmo que tenham parceiros estáveis. Esse tipo de conduta fomentada pelo Ministério da Saúde apenas reforça o estigma contra essa parcela da população. Seguiremos na luta por justiça. Chega de desastres. Precisamos de amor, muito mais amor.